terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Eugénio de Andrade


"Os navios existem, e existe o teu rosto

encostado ao rosto dos navios.

Sem nenhum destino flutuam nas cidades,

partem no vento, regressam nos rios.



Na areia branca, onde o tempo começa,

uma criança passa de costas para o mar.

Anoitece. Não há dúvida, anoitece.

É preciso partir. É preciso ficar.



Os hospitais cobrem-se de cinza.

Ondas de sombra quebram nas esquinas.

Amo-te… E entram pela janela

as primeiras luzes das colinas.



As palavras que te envio são interditas

até, meu amor, pelo halo das searas;

se alguma regressasse, nem já reconhecia

o teu nome nas suas curvas claras.



Dói-me esta água, este ar que se respira,

dói-me esta solidão de pedra escura,

estas mãos nocturnas onde aperto

os meus dias quebrados na cintura.



E a noite cresce apaixonadamente.

Nas suas margens nuas, desoladas,

cada homem tem apenas para dar

um horizonte de cidades bombardeadas."

Imagem: Rita Hayworth, tirada da net.

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