sábado, 20 de dezembro de 2008

E.E. Cummings



"Querida,

porque faz tempo que não lhe escrevo e porque existem -sempre- coisas a ser ditas. Porque você é a menina que me irrita, bárbara e tola, e me devassa. Porque são lindos teus cachinhos e teus olhos.

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas)

porque são calmas as tuas mãos, sendo tu inteira desastrada e aflita e mesmo quando me retraí - e assim quedo, combalida - mesmo quando diz que eu sou sem graça e não contem, nos olhos, a fúria; mesmo então é a mulher das minhas noites; pra quem já fui mimada e perturbada, um bicho perigoso, o animal mais acuado. Quem me ouviu os desastres e desatinos, as manhãs de ressaca, as tardes de mau-humor e mesmo quando vazios, queria saber dos meus dias. Mulher que já me viu, assim derrotada, aos pés de uma escada pra cumprir penitência e que acompanha todas minhas tentativas de samba, porque eu queria mesmo, chapéu branco, navalha no bolso, era ser mão que empunha pandeiro e tu ias dizer aos outros que a tua sina era a miséria que encontrou nos meus olhos: ser mulher de malandro.

Meu Amor, tu és. Ainda não sabe? "

Texto: tradução de Augusto de Campos.
Imagem: Ava Gardner, Google.

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