domingo, 30 de novembro de 2008

Borboletas


"A expressão borboletas no estômago é uma das minhas preferidas. Não porque eu esteja sempre com borboletas no estômago. Mas, justo pelo contrário. Sinto a falta delas. E só agora me dei conta.

Como tenho saudade de ter na barriga um montão de borboletas a farfalhar sandices românticas com o bater de suas mil asas!

Sinto-me uma nostálgica do futuro. [Deixa eu explicar, e você verá que é simples e mais comum do que pensa]. Eu simplesmente sinto saudade do que não aconteceu. Ainda. Uma falta de tudo o que eu poderia viver e ainda não experimentei, ainda não degustei, ainda não apreciei.

Não falo apenas dos relacionamentos amorosos. Aqui, eu falo da Vida. Falo da vida efervescente como fonte de água gasosa em eterno borbulhar – champanhe - é disso que eu falo e sinto muita [muita!] falta. Porque a vida é bela sim. E pede brindes de cristal [o copo e a bebida!] por uma tarde de sol fresco como a de hoje, dia de Lagoa com leves ondas incessantes no seu espelho, e olhares plácidos pela janela.

É lógico que sinto saudade das minhas borboletas baterem suas asas por um amor-com-pegada-vem-cá-Bebel. Também sinto falta disso - e como! Mas essas borboletas são arredias, quase selvagens, e não aparecem por qualquer-motivo-em-qualquer-florzinha-de-jardim.

Enquanto não tenho essas asas deliciosas a congestionar meus sentidos, acho que vou bebericar champanhe e ver a vida desfilar felinamente leve diante meus olhos crédulos. Porque eu sinto falta, mas não sou tola para deixar de ver a beleza que espreita este inverno-querendo-ser-primavera.

Dia desses, as borboletas voltam a farfalhar no meu jardim.
Elas sempre retornam."

Imagem: autor desconhecido
Texto: Bia.

Do meu Diário


" Pelo menos eu sabia quem eu era quando acordei de manhã,
mas acho que, desde então, mudei várias vezes."

Lewis Carroll



... E o que é a vida se
não uma fuga pra dentro
de nossos sonhos?



Imagem: autor desconhecido

sábado, 29 de novembro de 2008

Belchior


"eu ando pelo mundo prestando atenção
em cores que eu não sei o nome
cores de almodóvar
cores de frida kahlo, cores
passeio pelo escuro
eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
e como uma segunda pele, um calo, uma casca,
uma cápsula protetora
eu quero chegar antes
pra sinalizar o estar de cada coisa
filtrar seus graus
eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
e vendo doer a fome nos meninos que têm fome

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo
e os automóveis correm para quê?
as crianças correm para onde?
transito entre dois lados de um lado
eu gosto de opostos
exponho o meu modo, me mostro
eu canto pra quem?

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
minha alegria, meu cansaço?
meu amor cadê você?
eu acordei
não tem ninguém ao lado

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle"

Mick Jagger

Fiz o caminho inverso com essa música, conheci primeiro a tradução, linda, envolvente, falando das chuvas de novembro, separação recente, enfim...vale a pena ouvi-la:


Ferreira Gullar


Traduzir-se

"Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
-que é uma questão
de vida ou morte-
será arte? "

Ferreira Gullar

Imagem: autor desconhecido






sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Do meu Diário



... Tenho medo de mexer em minhas gavetas de sentimentos velhos e eles pularem na minha cara e
implorarem pela liberdade. Nas minhas entranhas estão adormecidos muitos sentimentos. Alguns, velhos, inofensivos, dormem. Outros, que considero mortos, ainda tem em suas inscrições o perigo que foram em vida. Meu coração é velho, já foi criança e adolescente rebelde, ansioso por liberdade e vida desregrada. A vida pulsava diferente e irresponsável. Meu coração dirigia a minha
vida e quase me levou à morte. E de certa forma morri.Com tantas buscas, minhas andanças me levaram a lugares tristes e sombrios. Permaneci muito tempo no umbral. Como um espírito errante caminhei em busca do nada. Estava ali e queria me penitenciar. Meu maior pecado: amar desesperadamente a pessoa errada. Vivi relacionamentos destrutivos, vazios e sem planos. Não era de ninguém e ninguém era bom o sufuciente pra mim. Na verdade, me apoiava em pessoas que tinha certeza não me fariam apaixonar. Não as admirava e essa era a garantia que o amor não brotaria dentro de mim. Quanto menos eu queria, mais gente eu atraia. A noite era perfeita para eu viver essa busca do nada...

Imagem: autor desconhecido.

Descobertas

"... Descobri que meu
corpo é borboleta
que flui no ar, leve e
colorida e sente púrpuras
que não podem ser humanas..."

Fadas

" Fadas perfumadas
jogavam vinho na minha
pele e cantavam palavras
difíceis de poemas inventados
minuto a minuto..."

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Lya Luft



Hoje eu sou esses versos de Lya Luft:


" ... Estou no coração de um ciclo que se fecha, eu sou o mar, com peixes e medusas, sou a viagem também. Não há garantias, não existe segurança. Alguma vez é preciso a audácia de se jogar, de delirar... "


Do meu Diário


... Estou trocando as folhas
Sinto o barulho delas
Caindo no chão.
É outono dentro de mim...

Cinema Paradiso

Simplesmente maravilhoso, imperdível.


quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Carlos Drummond de Andrade




"O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.

As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.

Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.

E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado"

Imagem: autor desconhecido.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ana Carolina * Vitor Ramil

À noite meu espírito voa na realização dessa
música:

"Olho a cidade ao redor
E nada me interessa
Eu finjo ter calma
A solidão me apressa

Tantos caminhos sem fim
De onde você não vem
Meu coração na curva
Batendo a mais de cem

Eu vou sair nessas horas de confusão
Gritando seu nome entre os carros que vêm e vão
Quem sabe então assim
Você repara em mim












Corro de te esperar
De nunca te esquecer
As estrelas me encontram
Antes de anoitecer

Olho a cidade ao redor
Eu nunca volto atrás
Já não escondo a pressa
Já me escondi demais

Eu vou contar pra todo mundo
Eu vou pichar sua rua
Vou bater na sua porta de noite
Completamente nua
Quem sabe então assim
Você repara em mim"

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Teatro Mágico


O Anjo Mais Velho

Um grupo que canta com a alma, arte pura.

Composição: Fernando Anitelli

"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minh'alma d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..."

imagem: autor desconhecido





domingo, 23 de novembro de 2008

Mia Couto

Esse poema é o retrato vivo do que estou vivendo nesse momento da minha vida:

"Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinzas
e despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente."


Imagem: autor desconhecido.

sábado, 22 de novembro de 2008

Sophia de Mello Breyner


"Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas."

Elisa Lucinda

Elisa Lucinda
No elevador do filho de Deus

"A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar viva todo dia
Há dores que sinceramente eu não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas

Há porradas que não tem saída
há um monte de "não era isso que eu queria"
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação...
E quando penso que não
me vejo ressurgida no banheiro
feito punheteiro de chuveiro
Sem cor, sem fala
nem informática nem cabala
eu era uma espécie de Lázara
poeta ressucitada
passaporte sem mala
com destino de nada!

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já to ficando especialista em renascimento

Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque eu não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesma me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo...
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha...
Fico aí camisolenta em estado de éter
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
Tô nocauteada, tô morrida!

Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra ter depois ter um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda bela
corta os cabelos
muda a maquiagem
reinventa modelos
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"
E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
de expersona falida:
- Não, tava só deprimida.
"


Imagem: autor desconhecido

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Claudio Zoli

Claudio Zoli

Noite do Prazer

"A noite vai ser boa
boa!
De tudo vai rolar
Vai rolar!
De certo que as pessoas
Querem se conhecer
Olham e se beijam
Numa festa genial...


A madrugada, a vitrola
Rolando um blues
Tocando B.B.King sem parar
Sinto por dentro uma força
Vibrando uma luz
A energia que emana
De todo prazer...

Prazer em estar contigo
Um brinde ao destino
Será que o meu signo
Tem a ver com o seu?
Vem ficar comigo
Depois que a festa acabar...

A madrugada, a vitrola
Rolando um blues
Tocando B.B.King sem parar
Sinto por dentro uma força
Vibrando uma luz
A energia que emana
De todo prazer..."



"O Fabuloso Destino de Amélie Poulain"

Lindo,maravilhoso:

O Mundo de Sofia


Uma leitura deliciosa... daquelas que a imaginação é constatemente desafiada, um leque de possibilidades se abre à nossa frente, com certeza, uma viagem fantástica.

" Sofia Amudsen, personagem central de O Mundo de Sofia, é uma jovem estudante que vê a sua vida mudar completamente por conta de cartas anônimas com as mais diversas questões existenciais: Quem é você? De onde você vem? Como começou o mundo? Ao escrever de forma nada erudita, com narrativas em estilo romancista, o escritor Jostein Gaarder nos conduz ao fantástico mundo da história da filosofia e o que se apresentava antes como intangível e misterioso se revela diante de nossos olhos como fascinante e indispensável."

Imagem: autor desconhecido.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Mário Quintana



Certezas


"Não quero alguém que morra de amor por mim...

Só preciso de alguém que viva por mim, que queira estar junto de mim, me abraçando.

Não exijo que esse alguém me ame como eu o amo, quero apenas que me ame, não me importando com que intensidade.
Não tenho a pretensão de que todas as pessoas que gosto, gostem de mim...

Nem que eu faça a falta que elas me fazem, o importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível...
E que esse momento será inesquecível...

Só quero que meu sentimento seja valorizado.
Quero sempre poder ter um sorriso estampando em meu rosto, mesmo quando a situação não for muito alegre...
E que esse meu sorriso consiga transmitir paz para os que estiverem ao meu redor.

Quero poder fechar meus olhos e imaginar alguém...e poder ter a absoluta certeza de que esse alguém também pensa em mim quando fecha os olhos, que faço falta quando não estou por perto.

Queria ter a certeza de que apesar de minhas renúncias e loucuras, alguém me valoriza pelo que sou, não pelo que tenho...

Que me veja como um ser humano completo, que abusa demais dos bons sentimentos que a vida lhe proporciona, que dê valor ao que realmente importa, que é meu sentimento...e não brinque com ele.

E que esse alguém me peça para que eu nunca mude, para que eu nunca cresça, para que eu seja sempre eu mesmo.

Não quero brigar com o mundo, mas se um dia isso acontecer, quero ter forças suficientes para mostrar a ele que o amor existe...

Que ele é superior ao ódio e ao rancor, e que não existe vitória sem humildade e paz.
Quero poder acreditar que mesmo se hoje eu fracassar, amanhã será outro dia, e se eu não desistir dos meus sonhos e propósitos, talvez obterei êxito e serei plenamente feliz.

Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras pessimistas...
Que a esperança nunca me pareça um NÃO que a gente teima em maquiá-lo de verde e entendê-lo como SIM.

Quero poder ter a liberdade de dizer o que sinto a uma pessoa, de poder dizer a alguém o quanto ele é especial e importante pra mim, sem ter de me preocupar com terceiros... Sem correr o risco de ferir uma ou mais pessoas com esse sentimento.

Quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão...
Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades a às pessoas, que a vida é bela sim, e que eu sempre dei o melhor de mim... e que valeu a pena."
Mario Quintana

Imagem: autor desconhecido.

Quando me amei de verdade!



"Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu
estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato.
E, então, pude relaxar.
Hoje sei que isso tem nome... Auto-estima.

Quando me amei de verdade, pude perceber que a minha angústia, meu
sofrimento emocional, não passa de um sinal de que estou indo contra as
minhas verdades.
Hoje sei que isso é... Autenticidade.


Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente
e comecei a ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento .
Hoje chamo isso de... Amadurecimento.


Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo tentar forçar
alguma situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo
sabendo que não é o momento ou a pessoa não está preparada, inclusive eu
mesmo.
Hoje sei que o nome disso é... Respeito.


Quando me amei de verdade, comecei a me livrar de tudo que não fosse
saudável ... Pessoas, tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para
baixo.
De início, minha razão chamou essa atitude de egoísmo.
Hoje sei que se chama... Amor-próprio.


Quando me amei de verdade, deixei de temer meu tempo livre e desisti de
fazer grandes planos, abandonei os projetos megalômanos de futuro.
Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio
ritmo.
Hoje sei que isso é... Simplicidade.


Quando me amei de verdade, desisti de querer ter sempre razão e, com isso,
errei muito menos vezes.
Hoje descobri a... Humildade.

Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de me
preocupar com o Futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida
acontece.
Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é... Plenitude.


Quando me amei de verdade, percebi que a minha mente pode me atormentar e me
decepcionar. Mas quando eu a coloco a serviço do meu coração,
ela se torna uma grande e valiosa aliada.
Tudo isso é.... Saber viver!!! "

Lenine



Hoje eu Quero Sair Só

Lenine

Se você quer me seguir
Não é seguro
Você não quer me trancar
Num quarto escuro
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só...

Você não vai me acertar
À queima-roupa
Vem cá, me deixa fugir
Me beija a bôca
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só...

Não demora eu tô de volta
(Tchau!)
Vai ver se eu tô lá na esquina
Devo estar!
(Tchau!)
Já deu minha hora
E eu não posso ficar
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua...

Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!

Huuuum!
Você não vai me acertar
À queima-roupa, naum!
Vem cá, me deixa fugir
Me beija a bôca
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só...

Não demora eu tô de volta
(Tchau!)
Vai ver se eu tô lá na esquina
Devo estar!
(Tchau!)
Já deu minha hora
E eu não posso ficar
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua
(Tchau!)

Vai ver se eu tô lá na esquina
Devo estar!
(Tchau!)
Já deu minha hora
E eu não posso ficar
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua
(Tchau!)
A lua me chama, chama...

Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!
Tchau! Tchau!
Tchau! Tchau!

A lua me chama
(Tchau!)
Eu tenho que ir prá rua
(Tchau!)
A lua me chama
Eu tenho que ir prá rua...

Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair só!"



Imagem: autor desconhecido.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O Labirinto do Fauno

"O longa dirigido por Guillermo Del Toro (HellBoy, A Espinha do Diabo) é uma obra fascinante. Cada elemento está minuciosamente bem colocado dentro do filme, sem excessos e o mais importante, em prol da estória. O diretor contextualiza com destreza o clima da ascensão de Franco ao poder na Espanha e a implacável caça aos esquerdistas contrários ao regime. Mesmo quem desconhece este capítulo da história espanhola compreende o pano de fundo no qual a trama se passa, vide a habilidade da direção e a pontualidade do roteiro.

Del Toro trabalha com perspicácia as personagens coadjuvantes, enriquecendo assim o teor dramático e elevando a qualidade do filme. Observamos o drama da cozinheira Mercedez (Maribel Verdú), a vilania do capitão Vidal (Sergi López) e o estupendo embate violento entre os dois. O drama social espanhol possui uma pungência que por si só renderia um outro filme.

É delicioso ver efeitos especiais e maquiagem trabalhados com sutileza. Hoje, parece estar em moda as explosões visuais - quanto mais efeito e maquiagem, melhor. Perceba como o efeito, apropriado e bem realizado, dá vida ao inseto que persegue Ofélia e se torna, em um passe de mágica, uma fada. A maquiagem do fauno (Doug Jones) é memorável e digna de indicação ao Oscar.


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sophia de Mello Breyner


“Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.”

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Alejandro Sanz

Noite, um copo de vinho e ...

Alberto Caeiro

Este vídeo guarda um dos meus poemas favoritos:

Num meio-dia de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se longe...
Ouçam:

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Miguel Torga


"Pisa os meus versos, Musa insatisfeita!
Nenhum deles te merece.
São frutos acres que não apetece
Comer.
Falta-lhes génio, o sol que amadurece
O que sabe nascer.

Cospe de tédio e nojo
Em cada imagem que te desfigura.
Nega esta rima impura
Que responde de ouvido.
Denuncia estas sílabas contadas,
Vestígios digitais do evadido
Que deixa atrás de si as impressões marcadas.

E corta-me de vez as asas que me deste.
Mandaste-me voar;
E eu tinha um corpo inteiro a recusar
Esse ímpeto celeste."

Imagem: autor desconhecido

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Robbie Williams

My Way - Frank Sinatra,

Para meu amigo Cleber,pelas descobertas que fizemos juntos.

"E agora o fim está próximo
Então eu encaro o desafio final
Meu amigo, Eu vou falar claro
Eu irei expor meu caso do qual tenho certeza

Eu vivi uma vida que foi cheia
Eu viajei por cada e todas as rodovias
E mais, muito mais que isso
Eu fiz do meu jeito

Arrependimetos, eu tive alguns
Mas então, de novo, tão poucos para mencionar
Eu fiz, o que eu tinha que fazer
E eu vi tudo, sem exceção

Eu planejei cada caminho do mapa
Cada passo, cuidadosamente, no correr do atalho
Oh, mais, muito mais que isso
Eu fiz do meu jeito

Sim, teve horas, que eu tinha certeza
Quando eu mordi mais que eu podia mastigar
Mas, entretanto, quando havia dúvidas
Eu engoli e cuspi fora
Eu encarei e continuei grande
E fiz do meu jeito

Eu amei, eu ri e chorei
Tive minhas falhas, minha parte de derrotas
E agora como as lágrimas descem
Eu acho tudo tão divertido
De pensar que eu fiz tudo
E talvez eu diga, não de uma maneira tímida
Oh não, não eu
Eu fiz do meu jeito

E pra que é um homem, o que ele tem
Se não ele mesmo, então ele não tem nada
Para dizer as coisas que ele sente de verdade
E não as palavras que ele deveria revelar
Os registros mostram que eu recebi as desgraças
E fiz do meu jeito"


Fauzi Arap

Amo esse poema cantado por Maria Bethânia:


EU VOU LHE CONTAR QUE VOCÊ NÃO ME CONHECE.
Eu tenho que gritar isso porque você está surdo e não me ouve.
A sedução me escraviza a você, ao fim de tudo você permanece comigo, mas preso ao que eu criei e não a mim.
E quanto mais falo sobre a verdade inteira um abismo maior nos separa.
Você não tem um nome, eu tenho.
Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções.
Mas a mentira da aparência que eu sou e a mentira da aparência que você é, porque eu não sou meu nome e você não é ninguém.
O jogo perigoso que eu pratico aqui, ele busca chegar ao limite possível de aproximação através da aceitação da distância e do reconhecimento dela.
Entre eu e você existe a notícia, que nos separa
Eu quero que você me veja a mim.
Eu me dispo da notícia, e a minha nudez parada te denuncia e te espelha.
Eu me delato, tu me relatas.
Eu nos acuso e confesso por nós.
Assim me livro das palavras com as quais você me veste.

Eu sei que eu tenho um jeito
Meio estúpido de ser
E de dizer coisas que podem
Magoar e te ofender
Mas cada um tem o seu jeito
Todo próprio de amar
E de se defender
Você me acusa e só me preocupa
Agrava mais e mais a minha culpa
E eu faço e desfaço, contrafeito
O meu defeito é te amar demais.
Palavras são palavras
E a gente nem percebe
O que disse sem querer
E o que deixou pra depois
Mas o importante é perceber
Que a nossa vida em comum
Depende só e unicamente de nós dois
Eu tento achar um jeito pra explicar
Você bem que podia me aceitar
Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser
Mas é assim que eu sei te amar.

Texto:Isolda e Milton Carlos

Mia Couto


"Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
.
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
.
Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
.
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono"

imagem:tirada da net
.

Arnaldo Jabor


Ser Amado


"O cara diz que te ama, então tá! Ele te ama.
Assunto encerrado.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas.
Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de quilômetros.

A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e palavras.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você quando for preciso.

Ser amado é ver que ele lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-lo tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ele fica triste quando você está triste, e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d'água.

Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro
e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão.

Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente inteiro.

Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada,
aquele que sabe que tudo pode ser dito e compreendido.

Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo.

Sente-se amado quem não ofega, mas suspira;
quem não levanta a voz, mas fala;
quem não concorda, mas escuta.

Agora, sente-se e escute:
Eu te amo não diz tudo!"

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Scorpions-Send Me An Angel






Send Me An Angel
(Scorpions)


O sábio disse: apenas siga este caminho
Até o alvorecer da luz
O vento soprará em seu rosto
Enquanto os anos passarão por você
Ouça esta voz bem lá no fundo
É o chamado do seu coração
Feche seus olhos e você encontrará
A passagem para sair da escuridão

Aqui estou eu
Você me enviará um anjo?
Aqui estou eu
Na terra da estrela da manhã

O sábio disse: apenas encontre o seu lugar
No olho da tempestade
Procure as rosas ao longo do caminho
E tome cuidado com os espinhos

Aqui estou eu
Você me enviará um anjo?
Aqui estou eu
Na terra da estrela da manhã

O sábio disse: apenas estenda sua mão
E alcance a magia
Encontre a porta para a terra prometida
Apenas acredite em si mesmo
Ouça esta voz bem lá no fundo
É o chamado do seu coração
Feche seus olhos e você encontrará
A passagem para sair da escuridão

Aqui estou eu
Você me enviará um anjo?
Aqui estou eu
Na terra da estrela da manhã
Aqui estou eu
Você me enviará um anjo?
Aqui estou eu
Na terra da estrela da manhã.







Envie-me um anjo
(Scorpions)

domingo, 9 de novembro de 2008

Hilda Hilst



"Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Este da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia."

Imagem:Ingrid Bergman, tirada da net.

Adriana Calcanhotto e Maria Bethânia

Cantada (Depois de ter você)

Depois de ter você...
Pra que querer saber
Que horas são
Se é noite ou faz calor
Se estamos no verão
Se o sol virá ou não
Ou pra que, que é serve uma canção
Como essa...

Depois de ter você
Poetas para que
Os deuses, as dúvidas
Pra que amendoeiras pelas ruas
Para que servem as ruas?
Depois de ter você...

sábado, 8 de novembro de 2008

Queen - We Are The Champions

Para meus filhos, pelas inúmeras batalhas que vencemos juntos:

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Carlos Drummond de Andrade


"Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo"

Adriana Calcanhoto


A Fábrica do Poema

"Sonho o poema de arquitetura ideal
Cuja própria nata de cimento
Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair
Faíscas das britas e leite das pedras.
Acordo;
E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
Acordo;
O prédio, pedra e cal, esvoaça
Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvera sido.
Acordo! os olhos chumbados pelo mingau das almas
E os ouvidos moucos,
Assim é que saio dos sucessivos sonos:
Vão-se os anéis de fumo de ópio
E ficam-me os dedos estarrecidos.
Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
Sumidos no sorvedouro.
Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
No topo fantasma da torre de vigia
Nem a simulação de se afundar no sono.
Nem dormir deveras.
Pois a questão-chave é:
Sob que máscara retornará o recalcado?"

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Caio Fernando Abreu

[Uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço....

[...]

Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender.

Para uma avenca partindo- Caio Fernando Abreu

A morte dos girassóis (Caio Fernando Abreu)

"Anoitecia, eu estava no jardim. Passou um vizinho e ficou me olhando,
pálido demais até para o anoitecer. Tanto que cheguei a me virar para
trás, quem sabe alguma coisa além de mim no jardim. Mas havia apenas os
brincos-de-princesa, a enredadeira subindo tenta pelos cordões, rosas
cor-de-rosa, gladíolos desgrenhados. Eu disse oi, ele ficou mais pálido.
Perguntei que-que foi, e ele enfim suspirou: "Me disseram no Bonfim que
você morreu na Quinta-feira." Eu disse ou pensei em dizer ou de tal
forma deveria ter dito que foi como se dissesse: "É verdade, morri sim.
Isso que você está vendo é uma aparição, voltei porque não consigo me
libertar do jardim, vou ficar aqui vagando feito Egum até desabrochar
aquela rosa amarela plantada no dia de Oxum. Quando passar por lá no
Bonfim diz que sim, que morri mesmo,e já faz tempo, lá por agosto do ano
passado. Aproveita e avisa o pessoal que é ótimo aqui do outro lado:
enfim um lugar sem baixo-astral."

Acho que ele foi embora, ainda mais pálido. Ou eu fui, não importa.
Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido muito com o
jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem
flores simples, fáceis, até um pouco brutas.
Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar
enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos
destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo
catita,parece que já vai abrir.

Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava, e nada.
Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha sido
pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados. Fiquei
uma fera. Gritei com o pintor: "Mas o senhor não sabe que as plantas
sentem dor que nem a gente?" O homem ficou me olhando tão pálido quanto
aquele vizinho.
Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o
que se deve fazer.

Porque tem outra coisa: girassol quando abre flor, geralmente despenca.
O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então,como se
não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra,exausto
da própria criação esplêndida. Pois conheço poucas coisas mais
esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto.

Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão quebrado que nem
dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só apoiei-o numa
espada-de-são-jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois no dia seguinte,
lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo, mas dispensando o
apoio da espada. Foi crescendo assim precário, feinho, fragilíssimo.
Quando parecia quase bom, cráu! Veio uma chuva medonha e deitou-se por
terra. Pela manhã estava todo enlameado, mas firme. Aí me veio a idéia:
cortei-o com cuidado e coloquei-o aos pés do Buda chinês de mãos
quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava tão mal que o talo
pendia cheio dos ângulos das fraturas, a flor ficava assim meio de
cabeça baixa e de costas para o Buda.
Não havia como endireitá-lo.

Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre o
próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada
exatamente para o sorriso do Bunda. Os dois pareciam sorrir um para o
outro.Um com o talo torto, outro com as mãos quebradas. Durou pouco,
girassol dura pouco, uns três dias. Então peguei e joguei-o pétala por
pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da sacada, para que
caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus misturado à
terra, depois não sei ao certo, voltasse à tona fazendo parte de uma
rosa, palma-de-santa-rita, lírio ou azaléia, vai saber que tramas armam
as raízes lá embaixo no escuro, em segredo.

Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que
comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se
deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu?
Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo. "

Decifrando o Eu



"Dual, sou assim. Misturo meus anjos ao lado obscuro, vou fundo e me retraio. Tenho meus mistérios e saio, sempre sem deixar pistas...

Mas volto sempre se me interessar muito. Não gosto de nada pela metade, nem a minha laranja. Ou vem inteira ou não vem.

Amor só conheço o intenso, amei uma vez e fui muito amada, me enganei outra e continuo apostando. Nada de coração embalado à vácuo sem contato manual. Que peguem, amassem, acariciem, pisem em cima. Quero mais é me sentir viva, ainda que seja pela dor.

Prefiro me arrebentar toda, a sair ilesa, só não
deixo de me atirar, nem mesmo agora que aprendi um pouco mais sobre a crueldade humana.

Tenho poucos e bons amigos. Muitos conhecidos e outros tantos que nem conheço, mas sabem de mim. Minha fidelidade aos amigos é canina, aos namorados até que provem o contrário. Namorados são descartáveis, amigos não.

Sou sensível e emotiva, choro com alguma facilidade, mas quase sempre sozinha. Tenho dias de verborragia intensa e dependendo do motivo arraso ou amo com a intensidade das palavras.

No entanto prefiro atitudes. Palavras o vento leva e a memória apaga. Gosto de me sentir “pertencida”, mas não dominada ou forçada a isso. Gosto de ser livre, mas ter alguém nos pensamentos e sempre para onde voltar.

Gosto de estar só algumas vezes, sinto necessidade, não sou carente profissional. Tenho meu lado sombrio e outro tanto mais claro. Do lado sombrio poucos conhecem, outros intuem, mas
todos respeitam.

Desconfio de pessoas que se dizem loucas de paixão, mas nunca ficaram horas debaixo de chuva esperando alguém, nem ligaram de madrugada para confessar os sonhos que a insônia traz ou deram o último biscoito recheado do pacote ou ligaram tantas e quantas vezes tiveram o telefone desligado na cara.

Desconfio da sofreguidão mansa e do desespero calculado, de olhos secos ou lágrimas forçadas. Dissimulação essa mentira estudada.


O humor inteligente me ganha sempre, o bobo me afasta, o afetado nem conheço. Gosto de gente transparente, aberta, leve, verdadeira que me suaviza o necessário para não querer ir embora, que fala com os olhos, age com a boca e me leva
pelas mãos a qualquer lugar onde eu já queria estar."


Andrea Augusto

Caio Fernando Abreu





"Hildinha, a carta para você já estava escrita, mas aconteceu agora de noite um negócio tão genial que vou escrever mais um pouco. Depois que escrevi para você fui ler o jornal de hoje: havia uma notícia dizendo que Clarice Lispector estaria autografando seus livros numa televisão, à noite. Jantei e saí ventando. Cheguei lá timidíssimo, lógico. Vi uma mulher linda e estranhíssima num canto, toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo, absolutamente incrível. Era ela. Me aproximei, dei os livros para ela autografar e entreguei o meu Inventário. Ia saindo quando um dos escritores vagamente bichona que paparicava em torno dela inventou de me conhecer e apresentar. Ela sorriu novamente e eu fiquei por ali olhando. De repente fiquei supernervoso e sai para o corredor. Ia indo embora quando (veja que GLÓRIA) ela saiu na porta e me chamou: - "Fica comigo." Fiquei. Conversamos um pouco. De repente ela me olhou e disse que me achava muito bonito, parecido com Cristo. Tive 33 orgasmos consecutivos. Depois falamos sobre Nélida (que está nos States) e você. Falei que havia recebido teu livro hoje, e ela disse que tinha muita vontade de ler, porque a Nélida havia falado entusiasticamente sobre Lázaro. Aí, como eu tinha aquele outro exemplar que você me mandou na bolsa, resolvi dar a ela. Disse que vai ler com carinho. Por fim me deu o endereço e telefone dela no Rio, pedindo que eu a procurasse agora quando for. Saí de lá meio bobo com tudo, ainda estou numa espécie de transe, acho que nem vou conseguir dormir. Ela é demais estranha. Sua mão direita está toda queimada, ficaram apenas dois pedaços do médio e do indicador, os outros não têm unhas. Uma coisa dolorosa. Tem manchas de queimadura por todo o corpo, menos no rosto, onde fez plástica. Perdeu todo o cabelo no incêndio: usa uma peruca de um loiro escuro. Ela é exatamente como os seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura impressionantes. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. Talvez eu esteja fantasiando, sei lá. Mas a impressão foi fortíssima, nunca ninguém tinha me perturbado tanto. Acho que mesmo que ela não fosse Clarice Lispector eu sentiria a mesma coisa. Por incrível que pareça, voltei de lá com febre e taquicardia. Vê que estranho. Sinto que as coisas vão mudar radicalmente para mim - teu livro e Clarice Lispector num mesmo dia são, fora de dúvida, um presságio. Fico por aqui, já é muito tarde.
Um grande beijo do teu Caio"

Caio Fernando Abreu

"Sobre todos aqueles que continuam tentando,
Deus, derrama teu Sol
mais luminoso."
Caio Fernando Abreu

"O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda destraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.

Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima. Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: “você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta.

Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.

Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares. Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.

Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins. Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.

Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada."

Caio Fernando Abreu, n’O Estado de S. Paulo, 24/09/86.

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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Adriana Calcanhoto

Não é o melhor vídeo.
Mas definivamente, eu preciso postá-lo:
Há poucas coisas dele que não posso dizer, que faça
parte de um episódio real da minha história:








"Nada ficou no lugar
Eu quero quebrar essas xícaras
Eu vou enganar o diabo
Eu quero acordar sua familia

Eu vou escrever no seu muro
e violentar o seu rosto
Eu quero roubar no seu jogo
Eu ja arranhei os seus discos

Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha
Pra mim

Nada ficou no lugar
Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua alma
Queria falar sua lingua

Eu vou publicar seus segredos
Eu vou Mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
o resto da minha alegria

Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha
Pra mim"







Mentiras - Adriana Calcanhoto

Guns N' Roses



Chuva De Novembro

Quando olho nos seus olhos
Vejo um amor contido
E, querida, quando a abraço
Sabe que sinto a mesma coisa?

Nada dura para sempre,
nós dois sabemos que o coração pode mudar
é difícil manter acesa a chama
Na chuva fria de novembro.

Estou vivendo este drama por um longo tempo
Tentando me livrar da dor
porém, sei que amantes sempre vêm e vão
ninguem ao certo sabe quem está deixando quem
Ir embora

Se pudéssemos, eu e você
dar um tempo
Eu poderia esfriar a cabeça
sabendo que você seria minha
toda minha
Então, se quiser me amar,
querida, não se reprima
senão vou terminar indo embora
Na chuva fria de novembro.

precisa de um tempo... para ficar solitária?
precisa ficar um tempo... sozinha?
Todos precisam às vezes... ficar solitários.
não acha que deve ficar um tempo... sozinha?

Eu sei que é difícil manter um coração aberto
Quando mesmo os amigos parecem dispostos a te prejudicar.
Mas se você pudesse curar um coração partido,
O tempo não pararia para te encantar?

Às vezes eu preciso de um tempo... para mim mesmo.
Às vezes eu preciso de um tempo... totalmente sozinho.
Todos precisam de um tempo... para si mesmo.
Você não entende que precisa de um tempo... totalmente sozinha?

E quando seus temores se acalmarem
E as sombras ainda permanecerem,
Eu sei que você pode me amar
Quando não sobrar ninguém para culpar.

Então não se preocupe com a escuridão,
Nós ainda podemos encontrar um caminho.
Porque nada dura para sempre,
Nem mesmo a chuva fria de novembro.

Você não acha que precisa de alguém?
Você não acha que precisa de alguém?
Todos precisam de alguém.
Você não é a única.
Você não é a única.

O Cavaleiro e o Moinho

“E quando me dizias, meio tonto, que a solidão te comovia e te chamava, eu comecei a gritar por dentro, e só conseguia silenciar e implodir. E se eu dissesse tudo o que eu queria ao mesmo tempo que silenciasse na tua solidão, talvez eu conseguisse um pouco mais de paz, essa paz tão caótica a que tu sempre aspiraste. Mas não, eu só consegui fugir, fugir, fugir, correr o tempo todo de mim, o mais rápido que a minha lentidão podia e eu não podia, não podia correr dos teus olhos, do cheiro de pele, do choro da pele. ‘Acreditar na existência dourada do sol, mesmo que em plena boca nos bata o açoite contínuo da noite. Arrebentar a corrente que envolve o amanhã, despertar as espadas, varrer as esfinges das encruzilhadas’. Eu só podia permanecer ali, naquele banco sob os galhos cujas folhas já caíram há tempos, balbuciando o que eu não compreendia. ‘Todo esse tempo foi igual a dormir no navio, sem fazer movimento, mas descendo o fio da água e do vento’. Se a gente ainda tivesse nascido pela metade, como dizem, mas somos inteiros, eu era inteira: por que me partiste em cacos assim? Acho que vai começar a chover, eu sinto o cheiro da chuva. Me diz, o que eu faço agora? Hein? Agora que a tua solidão te chamou e preferiste qualquer resto de coisa a mim, o que eu faço agora? O que eu faço agora com todas as minhas vontades de nós, com todos os meus nós, com todas as minhas vontades? E o meu amor? O que eu faço do meu amor? Deixo a chuva levar, jogo fora enquanto estiver correndo e eu já corri tanto, meu amor. E o que eu somo à minha metade pra fazê-la inteira de novo? "Já não há mais moinhos como os de antigamente"

"O cavaleiro e os moinhos - Elis Regina"

Vinicius de Moraes




O Haver

Vinicius de Moraes


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

15/04/1962


A poesia acima foi extraída do livro "Jardim Noturno - Poemas Inéditos", Companhia das Letras - São Paulo, 1993, pág. 17.

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Imagem: autor desconhecido

Do meu Diário



Como posso querer ser a âncora que
prende os sonhos dela?

Sergio Jockymann


"Pois, desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado,
E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos e que, mesmo maus e inconseqüentes,
sejam corajosos e fiéis,

E que em pelo menos um deles você possa confiar, que confiando,
não duvide de sua confiança.


E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes, você se interpele a respeito de suas próprias certezas
E que entre eles haja pelo menos um que seja justo,
para que você não se sinta demasiadamente seguro.


Desejo, depois, que você seja útil, não insubstituivelmente útil, mas razoavelmente útil.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante, não com os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente,

E que essa tolerância não se transforme em aplauso nem em permissividade,
Para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.

Desejo que você, sendo jovem, não amadureça depressa demais e que, sendo maduro,
não insista em rejuvenescer e que, sendo velho, não se dedique a desesperar.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.

Desejo, por sinal, que você seja triste, mas não o ano todo,
nem em um mês e muito menos numa semana, mas apenas por um dia.
Que nesse dia de tristeza você descubra que o riso diário é bom,
que o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

(...)

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático.
E que, pelo menos uma vez por ano, você ponha uma porção dele na sua frente e diga:
Isso é meu. Só para que fique bem claro quem é dono de quem.

Desejo ainda que você seja sóbrio, não inteiramente sóbrio,
não obcecadamente sóbrio, mas apenas usualmente sóbrio.
Mas que essa sobriedade não impeça você de abusar quando o abuso se impõe.

Desejo também que nenhum dos seus afetos morra, por ele e por você.
Mas que, se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.

Desejo, por fim, que sendo mulher você tenha um bom homem,
E que sendo homem, tenha uma boa mulher.
E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez,
E novamente, de agora até o próximo ano acabar,
E que quando estiverem exaustos e sorridentes,
ainda tenham amor para recomeçar.

E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar."

Caio Fernando Abreu

"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”.


"Ou simplesmente “continuo”, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como “sempre” ou “nunca”. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como “não resistirei” por outras mais mansas, como “sei que vai passar”. Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de “uma ausência”. E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:- … mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca …"
Caio Fernando Abreu