terça-feira, 28 de outubro de 2008

Clarice Lispector


"Se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.

Também para a minha chamada vida interior eu adotara sem sentir a minha reputação: eu me trato como as pessoas me tratam, sou aquilo que de mim os outros vêem. O que os outros recebem de mim reflete-se então de volta para mim , e forma a atmosfera do que se chama: eu.
Sou agradável, tenho amizades sinceras, e ter consciência disso faz com que eu tenha por mim uma amizade aprazível, o que nunca excluiu um certo sentimento irônico por mim mesma, embora sem perseguições.
Não tente entender! Viver supera todo entendimento
Eu nascera sem missão, minha natureza não me impunha nenhuma; e sempre tive a mão bastante delicada para não me impor um papel.

Dois minutos depois de nascer eu já havia perdido as minhas origens.

Como é luxuoso este silêncio. É acumulado de séculos. É um silêncio de barata que olha. O mundo se me olha. Tudo olha para tudo, tudo vive o outro: neste deserto as coisas sabem as coisas. As coisas sabem tanto as coisas que a isto... a isto chamarei perdão, se eu quiser me salvar no plano humano. É o perdão em si. Perdão é um atributo de matéria viva.

A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.

Tudo aqui se refere na verdade a uma vida que se fosse real não me serviria. O que decalca ela, então? Real, eu não a entenderia, mas gosto da duplicata e a entendo. A cópia é sempre bonita.

escolher a própria máscara é o primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim se afivela a máscara daquilo que se escolheu para representar-se e representar o mundo, o corpo ganha uma nova firmeza, a cabeça ergue-se altiva como a de quem superou um obstáculo. A pessoa é.

A espirituosa elegância de minha casa vem de que tudo aqui está entre aspas. Por honestidade com uma verdadeira autoria, eu cito o mundo, eu o citava, já que ele não era nem eu nem meu."

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