sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Caio Fernando Abreu

Ensinamentos de uma alma poeta:


"Tenho tentado aprender a ser humilde. A engolir os nãos que a vida me enfia pela goela a baixo. A lamber o chão dos palácios. A me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar um café e continuar."


"Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas... Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo."

"Podia falar de quando te vi pela primeira vez.
Sem jeito, de repente, te vi (assim, como se não fosse ver nunca mais).
E seria bom que eu não tivesse visto nunca mais, porque de repente vi outra vez e outra vez e outra e, enquanto eu te via, nascia um jardim nas minhas faces.
Não me importo de ser vulgar, não me importa o lugar-comum, dizer o que os outros já disseram.
Não tenho mais nada a resguardar - um momento à beira de não ser, eu não sou mais.
Tudo se revelou tão inútil à medida em que o tempo passava, tudo caia num espaço enorme entre eu e você, mas não se culpe, deixa eu falar como se você não soubesse, não se culpe, por favor, não se culpe.
Ainda que esse som na campainha fosse gerado pelos teus dedos eu não atenderia.
Eu me recuso a ser salvo e é tão estranho... o entorpecimento começa pelos pés..."


"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo.
Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'.
Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”.


"Seria isso, então? Você só consegue dar quando não é solicitado, e quando pedem algo você foge em desespero. Como se tivesse medo de ficar mais pobre, medo de que se alcance seu centro e nesse centro exista alguma coisa que você não quer mostrar nem dar ou dividir. Contido, dissimulado, você esconde essa coisa, será assim?"

Imagem: autor desconhecido.

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